Não toque nas pílulas para dormir

“Não toque nas pílulas para dormir, elas bagunçam a minha cabeça” diz a letra da música da banda Florence and the Machine lançada em 2015. A música relata um pouco da confusão mental e cognitiva causadas pelos medicamentos para dormir.

 

 

Mas esse não é um assunto de agora, em 1966 os Rolling Stones já falavam dos populares comprimidos para dormir. A música “Mother’s little helper” (o pequeno ajudante da mamãe) faz uma crítica ao uso de calmantes para suportar os problemas do cotidiano. Assim como na música, as principais usuárias dessas substâncias era (e são) mulher de meia-idade.

 

 

Os remédios para dormir ou calmantes pertencem, na sua maioria, a uma classe de medicamentos chamada benzodiazepínicos. Essas substâncias são depressores do sistema nervoso central. Elas agem de maneira muito parecida com o álcool, diminuindo a atividade dos neurônios.

O nosso cérebro possui um sistema inibitório coordenado pelo neurotransmissor GABA. Esse sistema é muito importante para manter o equilíbrio da atividade dos neurônios. Quando liberado, o GABA faz com que o íon cloreto (Cl) entre nos neurônios, pela carga negativa o cloreto dificulta a ativação dos neurônios. Os medicamentos benzodiazepínicos potencializam a atividade de GABA o que aumenta a inibição do sistema nervoso, causando sono, sedação e diminuindo a ansiedade.

Numa sociedade caracterizada por estresse, insônia e ansiedade os benzodiazepínicos se incorporaram a nossa cultura como uma válvula de escape. Segue abaixo os principais medicamentos dessa classe, com o nome comercial mais conhecido:

Diazepam – Valium

Clonazepam – Rivotril

Midazolam –Dormonid

Bromazepam – Lexotan

Flunitrazepam- Rohypnol

Como até a Florence e os Stones sabem, o uso de benzodiazepínicos está associado a vários efeitos adversos. O principal problema do uso dessas substâncias é o tempo. Eles não devem ser utilizados por mais de 2 semanas continuas. Após 2 semanas de uso diário a pessoa começa a desenvolver dependência e tolerância aos benzodiazepínicos.

Dependência é isso mesmo que você pensou, no popular: vício. O que quer dizer que a pessoa passa a ser dependente dessa substância, não consegue mais dormir sem, por exemplo.

Tolerância significa que após um tempo passa a ser necessário uma quantidade maior de benzodiazepínico para produzir o mesmo efeito inicial. Um comprimido já não dá as mesmas horas de sono e por isso a pessoa passa para dois, depois três, depois quatro comprimidos e assim por diante. Na música dos Stones eles brincam com a tolerância dizendo que “a mamãe pede cada vez mais comprimidos ao médico”.

No Brasil esses medicamentos são controlados, popularmente chamados de tarja preta, o que quer dizer que podem ser vendidos somente com retenção de receita médica. Só que a gente sabe que sempre tem um amigo, uma tia, e até uma avó que tem esses medicamentos na bolsa para emprestar no momento de estresse. Por isso eles se incorporaram a nossa cultura e ninguém vê mal algum em tomar um comprimido para dormir de vez em quando.

serax-1967

Propaganda do bezondiazepínico SERAX (oxazepam) de 1967.

Só que sim, há perigo.

Além da dependência e tolerância que falamos acima, os benzodiazepínicos possuem vários efeitos adversos, como por exemplo a amnésia. Como a atividade de alguns neurônios é inibida por essas substâncias, a memória não consegue ser armazenada (já que os neurônios estão inativos). Por isso a pessoa não consegue lembrar de determinados fatos e o aprendizado também fica comprometido por esse mesmo motivo. Algum medicamentos dessa classe produzem inclusive a chamada amnésia anterógrada, em que o paciente não consegue se lembrar de fatos que ocorreram logo antes de tomar o medicamento e durante o tempo que estiveram sob efeito dele. É o chamado Boa Noite Cinderela, droga coloca em bebidas de meninas, criminalmente, para cometer estupro e roubo.

Como a dependência ocorre muito rapidamente, a chamada síndrome de abstinência (síndrome de retirada) pode ocorrem em pacientes que por exemplo, tomaram 1 mês de medicação. Nesse casos sintomas como ansiedade generalizada, síndrome do pânico, insônia e até convulsões e alucinações podem ocorrer por causa da falta do medicamento.

Mas o maior de todos os cuidados é nunca utilizar esses medicamentos com álcool. Como ambos agem potencializando a ação do neurotransmissor GABA, usar benzodiazepínicos com álcool pode diminuir muito a atividade cerebral, levando a perda da consciência, diminuição da temperatura corporal e até mesmo ao coma.

Estudos recentes sugerem que o uso continuo que benzodiazepínicos possa aumentar o risco do desenvolvimento de demências como a Doença de Alzheimer, mas até o momento não existem dados conclusivos.

Em alguns países o uso de benzodiazepínicos em idosos é contra-indicado. Porque os idosos (assim como as crianças) são mais susceptíveis os efeitos adversos como perda de memória. E ainda a sonolência e alteração motora aumenta a chance de quedas nos idosos, que com ossos mais frágeis tem mais chance de fraturas.

Por tudo isso, ainda que a nossa cultura ache normal e até elegante tomar medicamento para dormir, eles são muito perigosos. O uso dessa medicação deve ser reservado para situações realmente complicadas quando prescrito por um médico, como a perda de um familiar por exemplo. Mas ainda assim deve ser usado por pouco tempo.

Os problemas do dia-a-dia devem ser resolvidos e não sedados com medicação.

Para saber mais:

Artigo científicos sobre benzodiazepínicos –>

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25473707

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24552479

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3990949/pdf/cn5000056.pdf

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26240749

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25613443

Uso de Benzodiazepínicos e demência–>

http://bit.ly/1HgBNhR

http://bit.ly/1YocONL

http://1.usa.gov/1N6E1kh