Como nasce um medicamento? PARTE I

DA IDENTIFICAÇÃO DAS MOLÉCULAS AOS TESTES PRÉ-CLÍNICOS 

Continuando o assunto do nosso ultimo post Fosfoetanolamina e câncer, vamos começar a falar de como é a pesquisa que gera novos medicamentos. E qual é o caminho que os fármacos fazem desde a bancada do laboratório até a prateleira da farmácia.

Esse caminho pode ser dividido em 3 partes: desenvolvimento da molécula; testes pré-clínicos e testes clínicos.

Desenvolvimento da molécula

Talvez você já tenha se perguntando como alguém descobre um novo medicamento? Como sabe que aquela substância pode curar ou tratar determinada doença?

Isso se baseia principalmente no conhecimento sobre a doença para qual se deseja obter um novo medicamento.

Quando um pesquisador inicia uma pesquisa para encontrar um novo medicamento ou tratamento para determinada doença, ele inicia estudando como funciona a doença em questão.

Por exemplo, para conseguir desenvolver os primeiros medicamentos para AIDS foi necessário estudar o que estava causando a doença, nesse caso isolar o vírus e entender como ele infectava as células, foi crucial para os primeiros tratamentos.

Sabendo como a doença funciona os pesquisadores podem começar a buscar estratégias de como resolver o problema. É quase como quando seu computador não funciona, você inicia investigando as possíveis causas, como se ele está ligado na tomada, baseado no que você sabe sobre o funcionamento do computador.

Podemos dizer que existem 2 caminhos a seguir para buscar novas moléculas candidatas a fármacos: desenho racional de fármacos e produtos naturais.

 

Desenho racional de fármacos:

Essa é a abordagem mais moderna e mais utilizadas atualmente. Consiste em desenhar moléculas baseado na forma como queremos que elas atuem em nosso corpo.

Desenho baseado no alvo: quando a molécula é desenhada para interagir com um determinado alvo no nosso corpo. Por exemplo: sabemos que no nosso cérebro existe um determinado receptor que quando ativado causa sono. Como conhecemos a estrutura desse receptor podemos desenhar moléculas com uma estrutura capaz de se ligar nesse receptor e ativa-lo.

Desenho baseado no ligante: quando já temos um fármaco que tem efeito para uma determinada doença e queremos melhora-lo, como diminuir efeitos adversos ou aumentar seu efeito.

Nesse caso, primeiramente se identifica a parte da molécula responsável pela ação do fármaco conhecido. A partir dai começamos a mudar outras partes da molécula, criando assim substâncias diferentes. A molécula inicial, da qual vamos partir para fazer as modificações pode até mesmo ser uma substância que o nosso corpo produz, como os hormônios por exemplo que serviram de modelo para a criação dos anticoncepcionais.

Produtos naturais:

Uma outra abordagem para se encontrar novos medicamentos é através de produtos naturais. Muitos medicamentos que temos hoje surgiram dessa abordagem como o analgésico morfina e o quimioterápico paclitaxel (Taxol) entre muitíssimos outros.

Os produtos naturais podem ser obtidos tanto de plantas (como a morfina e o paclitaxel) como também de fungos (como a penicilina), minerais (sulfato ferroso) e por outros animais (como soros antiofídico).

O uso tradicional de produtos naturais, por tribos indígenas por exemplo, vem sendo um aliado histórico para a descoberta de novos medicamentos. A etnofarmacologia, disciplina que estuda o conhecimento popular relacionado a sistemas tradicionais de medicina, é uma importante ferramenta na busca por novos fármacos. O interessante é que através do uso tradicional já iniciamos com uma ideia de toxicidade das substâncias, que na já são utilizadas por humanos.

novos medicamentos 2

Testes pré-clinicos:

Após identificar ou sintetizar uma substância com potencial para tratar determinada doença é necessário testa-la.

Geralmente os primeiros testes são feito in vitro, ou seja em tubos e placas com tecidos, células ou partes delas. Por exemplo, a substância desenhada para ligar no receptor que causa sono, precisa agora ser colocada junto com esse receptor para ver de fato se consegue ativa-lo.

Se a substância tiver efeitos positivos nesses primeiros testes ela passa a ser testada in vivo ou seja em animais. Caso ela não apresente o efeito imaginado ela é descartada.

Os primeiros estudos em animais, de uma substância completamente nova, geralmente fazem uma avaliação incial da sua toxicidade. Se a substância não se mostrar tóxica começam testes para avaliar se ela funciona em modelos animais da doença. Geralmente são usados ratos ou camundongos, mas modelos mais novos usam inclusive peixes.

Se ela apresentar efeito esperado nesses modelos se inicia testes mais específicos de toxicidade. Avaliando efeitos agudos e crônicos, determinando dose letal, além de toxicidade reprodutiva e seu efeito na gestação. Todos esses estudos ainda são feitos em animais. Os estudos toxicológicos precisam ser feitos em mais de uma espécie, já que a toxicidade pode variar conforme a espécie.

Também na fase pré-clínica é preciso investigar como essa substância age, ou seja seu mecanismos de ação. Substâncias desenhadas para um determinado alvo, geralmente já possuem mecanismo de ação conhecido, mas elas podem ter outras ações além da que foi projetada.

Já as substâncias de origem natural é importante terem o mecanismo de ação elucidado ou pelo menos com elucidação iniciada antes de serem administrar em humanos.

teste 2

Se a substância foi aprovada por todas as fases dos estudos pré-clínicos ela pode começar a ser testada em humanos. São os chamados estudos clínicos. Mesmo sendo aprovada em todos os testes pré-clínicos não existe garantia que ela vá ter efeito em humanos. O desenvolvimento de novos fármacos é como um funil, de cada 10.000 moléculas que iniciam os testes pré-clinicos, somente 250 chegam para testes clínicos e destas somente 1 é aprovada como medicamento.

Mas isso será assunto do próximo post, por que por hoje acho que já foi o bastante….

 

Para saber mais:

Etnofarmacologia –> http://bit.ly/1S4XYbG

Guia para testes toxicológicos ANVISA –> http://bit.ly/1XsovCF

Blog sobre química medicinal e desenvolvimento de fármacos –> http://bit.ly/1LvJZcv

Onde se faz isso no Brasil ? –> Veja no site da Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental. http://bit.ly/HfwPEt

Crédito de imagem: http://br.freepik.com e “