Como nasce um medicamento? Parte II

DOS TESTES CLÍNICOS À FARMÁCIA.

No post anterior vimos como surgem moléculas com potencial para novos medicamentos. Vimos também como são feitos os testes pré-clínicos e como eles fornecem dados iniciais sobre toxicidade e eficácia do candidato a novo medicamento.

Se a substância for aprovada nos testes pré-clinicos ela pode começar a ser testada em humanos.

Os testes em humanos são chamados de testes clínicos e são compostos por 4 fases. Testes clínicos necessitam de aprovação junto a ANVISA para serem iniciados.

FASE I: SEGURANÇA

A primeira fase dos testes clínicos tem como objetivo avaliar a segurança da nova substância.

Essa fase necessita de poucos voluntários entre 20-80 pessoas. Os voluntários geralmente são pessoas saudáveis. São avaliados os efeitos adversos causados pela substância e são feitos os estudos de farmacocinética.

Farmacocinética estuda o caminho da substância pelo nosso organismo. Ou seja, como é a absorção da substância, quanto da substância chega no sangue, como ela é metabolizada, quanto tempo ela demora para ser eliminada do corpo, etc. Os estudos de farmacocinética vão fornecer a via de administração, a dose a ser utilizada e a posologia (de quanto em quanto tempo será administrada).

Estima-se que 90% das substâncias testadas são reprovadas nesta fase.

Se o candidato a medicamento for aprovado nesta primeira fase, ele pode passar para a fase II.

FASE II: EFICÁCIA

O objetivo da fase II é avaliar se a nova substância funciona.

Nesta segunda fase é necessário um número maior de voluntários, entre 100-300 pessoas. Esses voluntários possuem a doença para qual a substância deve ter efeito.

O efeito da nova substância é comparado com fármacos já utilizados para a doença estudada. Algumas vezes se utiliza comparação com placebo, mas por questões éticas o uso do placebo vem sendo diminuído, principalmente em doenças graves.

Nesta fase também são testadas as formulações em que o futuro medicamento poderá ser usado: comprimidos, cápsulas, xaropes, etc.

Caso o candidato a novo medicamento tenha efeito neste grupo pequeno de pessoas ele passa a fase III.

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FASE III: MULTICÊNTRICO

Quando a nova substância chega na fase III se entende que ela funcionou e foi segura para o pequeno grupo de voluntários da fase II. Mas isso não quer dizer que ela funcione e seja segura em todas as pessoas.

Existem variações genéticas entre os indivíduos que fazem com que eles respondam de maneira diferente a drogas e medicamentos.

Por exemplo, asiáticos são mais sensíveis aos efeitos das bebidas alcoólicas por metabolizarem o álcool mais lentamente.

Por isso os estudos de fase III são realizados em vários centros de pesquisa, sendo chamados de multicêntricos.

A quantidade de voluntários necessária para esta fase varia de 1000-3000 pessoas, podendo ser maior. Esta fase também é a mais longa e pode durar anos.

Na fase III são feitas associações da nova substância com medicamentos já utilizados na doença, para ver se os efeitos dos medicamentos podem ser potencializados, reduzindo assim dose e tempo de tratamento.

Várias doses da nova substâncias são testadas.

Os voluntários são distribuídos em grupos que recebem a substância teste em várias doses e medicamentos conhecidos para a doença. Esse tipo de distribuição aleatória dos voluntários é utilizada no que chamamos de estudos randomizados.

Os estudos de fase III também podem ser cegos ou duplo cegos.

Um estudo cego, significa que o paciente não sabe que medicamento está recebendo, se está recebendo a substância teste ou um medicamento já usado na doença. Isso minimiza os efeitos subjetivos do paciente.

Um estudo duplo cego, significa que nem o paciente nem os pesquisadores diretamente envolvidos na coleta dos dados sabem que medicamento cada paciente está recebendo. Esse método, além de minimizar os efeitos subjetivos dos pacientes, ainda abole os efeitos subjetivos dos pesquisadores, que muitas vezes possuem grande expectativa sobre o novo medicamento.

Dessa forma os estudos clínicos mais confiáveis são os chamados Ensaio Randomizado Duplo-cego. Onde os pacientes são colocados aleatoriamente em grupos e onde nem pacientes, nem pesquisadores sabem qual grupo está tomando a substância teste.

Na fase III os efeitos adversos seguem sendo avaliados, e como geralmente os pacientes recebem a medicação por mais tempo, os efeitos adversos a longo prazo podem ser conhecidos.

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APROVAÇÃO PELA ANVISA:

Após a substância ser aprovada na fase III já pode ser solicitada a aprovação do novo medicamento pelo órgão sanitário responsável.

No Brasil esse órgão é a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), cada país possui a sua agência reguladora.

Para solicitação de registro de um novo medicamento na ANVISA, deve ser enviado um dossiê para a agência. Esse dossiê é composto por 3 partes:

Análise farmacotécnica: descrição da forma como o medicamento será produzido: matérias primas a serem utilizadas, como é feita a produção, condições de estocagem, testes de estabilidade da formulação, embalagens, etc. A ANVISA faz uma inspeção ao local que produzirá o medicamento e avalia todo o processo de produção. Vale lembrar que o local que produzirá o novo medicamento já deve ter autorização na ANVISA para produção de medicamentos e Certificado de Boas Práticas de Fabricação também junto a ANVISA.

Análise de eficácia: nessa parte devem constar todos os dados de eficácia, ou seja, os dados que mostram que o novo medicamento funciona. É necessário apresentar tanto os dados pré-clínicos como clínicos.

Análise de segurança: devem constar todos os estudos toxicológicos feitos na fase pré-clínica como também os resultados dos testes de fase I e os efeitos adversos observados nas demais fases.

A ANVISA faz a análise do processo. Geralmente são contratados pesquisadores de fora da agência, que são especialista no tema do novo medicamento para emitirem pareceres sobre os estudos. Se aprovado a substância teste pode ser considerada um novo medicamento e ser comercializado em farmácias e drogarias do país.

Mas você acha que então os estudos acabaram? Nada disso, na fase inicial de comercialização o novo medicamento fica sob observação é a chamada FASE IV.

FASE IV: PÓS-COMERCIALIZAÇÃO

Os medicamentos disponível no mercado seguem sendo monitorados, principalmente nos anos iniciais após a sua aprovação.

Você deve lembrar de alguns medicamentos que foram retirados do mercado pouco tempo depois de serem liberados. Seguem exemplos:

– Acomplia (rimonabanto) chegou no mercado como pílula seca-barriga, mas o seu uso a longo prazo acabou associado a depressão e a aumento no risco de suicídio.

– Vioxx (rofecoxib) antiinflamatório que não causava danos ao estômago, acabou retirado do mercado quando o fabricante constatou que o uso continuo de 25mg por mais de 18 meses estava associado a infarto e AVC.

O controle dos medicamentos que estão no mercado é chamado de farmacovigilância. Os fabricantes de medicamentos são obrigados a monitorar os efeitos adversos causados por seus medicamentos. Além disso, existem no país hospitais chamados de sentinelas que também acompanham os efeitos adversos causados por medicamentos e notificam a ANVISA.

Na verdade, qualquer pessoa pode notificar a ANVISA sobre efeitos adversos causados por medicamentos. Mais informações no site: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/notivisa/apresenta.htm

Bom pessoal, os posts foram curtos mas acredito que deu para ter uma ideia sobre o processo de pesquisa e desenvolvimento de fármacos. Acho que é fácil perceber o longo caminho para descobrir novos medicamentos e o quão importante é cada fase.

Dúvidas? Sugestões? Escrevam pra gente!

Para saber mais:

Para conhecer os ensaios clínicos em andamento no Brasil: http://bit.ly/1k5G2CM

Como a Anvisa avalia o registro de medicamentos novos no Brasil : http://bit.ly/1GIkMgk

Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica: http://bit.ly/1LMzH7Y

RDC número 9 de Fevereiro de 2015 da ANVISA sobre normas para estudos clínicos: http://bit.ly/1N9Od7P

Resumo sobre pesquisas clínicas ANVISA: http://bit.ly/1Md0ThJ

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