A nova cara da AIDS
Desde os relatos dos primeiros casos em 1981 até hoje, a AIDS tomou uma outra cara. Se no principio o diagnostico era a certeza de morte, hoje a expectativa de vida de quem possui HIV é apenas 1/3 menor que da população geral. Existem pacientes que vivem a mais de 25 anos com o vírus e seguem com uma vida normal. Isso só foi possível pelos novos medicamentos desenvolvidos ao longo desses anos.
O vírus da imunodeficiência humana (HIV) foi descoberto em 1983, isolado de pacientes que apresentavam uma doença recém surgida, a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). O HIV é um dos vírus mais espertos que eu conheço. Quando entra no corpo humano, ele ataca um tipo de células do nosso sistema de defesa, as células T CD4. O HIV consegue entrar dentro dessas células e colar seu DNA no DNA da célula, assim a célula T CD4 infectada começará a produzir mais vírus HIV que serão lançados na corrente sanguínea. É como se o HIV fizesse as células T CD4 trabalharem para ele. Logo, as células T CD4 começam a morrer em quanto isso mais e mais HIV é colocado na circulação.
Com o comprometimento das células de defesa T CD4, a pessoa contaminada pelo HIV fica com o sistema imunológico extremamente comprometido. Por isso ela pega infeções graves causas por bactérias e fungo que normalmente são combatidos pelo sistema imunológico de uma pessoa saudável. A pessoa pode ser portadora do vírus HIV por muitos anos sem apresentar a doença, a AIDS inicia quando os níveis de células T CD4 ficam abaixo de 200 células/mm3 de sangue, nesse momento surgem as infeções oportunistas. A morte por AIDS é causa por complicações provocadas por essas infecções.
O tratamento inicia somente quando o vírus começa a se manifestar, para isso é feito o controle dos níveis de células TCD4. Quando elas atingem um nível considerado crítico o tratamento com o coquetel inicia. Aqui no Brasil o tratamento é 100% gratuito e somente pode ser obtido via SUS. Graças a isso o pais é modelo mundial para tratamento da doença. O controle do SUS inclui tratamento preventivo para gestantes com HIV, o que impede que o bebê nasça com o vírus. Além disso, casos onde exista alto risco de contaminação, como em acidente de trabalho ou em situação de estupro, também recebem tratamento preventivo, o que diminui significativamente a possibilidade de contaminação. Os medicamentos para AIDS atuam em vários alvos diferentes impedindo que o vírus consiga se multiplicar e atingir mais células.
O coquetel de medicamentos de hoje também é muito diferente daquele primeiro utilizado dos anos 90. O esquema básico inclui 3 tipos de medicamentos que causam menos efeitos adversos que o tratamento antigo. Em 2005, 1,3 milhão de pessoas tinham acesso aos remédios no mundo. No fim do ano passado, o número chegou a 9,7 milhões. Isso reflete diretamente no menor número de mortes e no aumento da expectativa de vida.
O estudo anual publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que, pela primeira vez, o crescimento da doença diminuiu em 2012. O número de novos casos caiu 33% entre 2001 e 2012. Também houve uma redução de 30% na mortalidade em relação à 2005, quando houve o pico de 2,08 milhões de mortes. Em 2001, 1,9 milhão de pessoas morreram em decorrência da AIDS e, em 2012, foram 1,6 milhão.
Se você ainda pensa que AIDS é uma doença de homossexuais e usuários de drogas injetáveis, você está absolutamente enganado. É justamente entre os homossexuais masculinos que o número de novos casos mais diminui. Isso ocorre pela conscientização sobre o uso de camisinha, a melhor forma de prevenção.
O gráfico abaixo foi retirado do relatório da OMS e mostra a taxa de mortes no Brasil. A taxa de mortes relacionadas com a AIDS é a linha azul,a taxa por doenças não-AIDS é a linha verde e a linha amarela representa as mortes que não se tem certeza se foram causadas por AIDS ou não. Olhem o ponto entre 1992-94, dá pra ver que a taxa de mortalidade causada pela AIDS era 10x maior (linha azul) que as causadas por outras doenças. Agora veja como as linhas vão se juntando com o passar dos anos, indicando que entre 2007-09 a taxa de mortalidade é quase igual em entre mortes causadas por AIDS e as causadas por outras doenças.
Embora os dados pareaçam muito otimistas, a AIDS ainda é uma das principais causas de incapacitação entre pessoas de 25- 40 anos. Aqui na América do Sul o problema é bem critico principalmente na Colômbia, Honduras, Panamá e Venezuela onde a doença está entre as 10 maiores causas de incapacitação.
No continente africano a AIDS continua sendo tão devastadora quanto nos anos 90. Das 35 milhões de pessoas contaminadas no mundo, 25 milhões estão nesse continente. Dos novos infectados por ano, 1,6 milhão são africanos. É também na África onde ocorrem o maior número de mortes, foram 1,2 milhões em 2012.
Também no último mês, um grupo de cientistas americanos publicou um artigo na revista Nature mostrando que uma vacina foi eficaz em uma síndrome similar a AIDS em macacos. Esse fato trouxe mais esperança pela descoberta de uma vacina contra a doença. O mais complicado em se desenvolver uma vacina contra a AIDS é que ela ataca justamente o sistema imunológico. Uma vacina comum deixa uma marca no sistema imunológico. Quando o causador da doença (por exemplo o vírus) invade o organismo a marca deixada pela vacina faz com que o sistema imunológico consiga rapidamente eliminar o microrganismo antes dele causar a doença. No caso do HIV, como o vírus afetajustamente o funcionamento do sistema imunológico e esse não consegue trabalhar adequadamente para eliminar o vírus antes que ele se instale no organismo. Uma vacina desenvolvida por um grupo de cientistas brasileiros começará a ser testada em macacos, aqui no Brasil nos próximos meses. Os estudos iniciais feitos pelo grupo da Universidade de São Paulo em camundongos mostrou ótimos resultados.
Enquanto a vacina não vem a melhor forma de prevenir a doença é o uso de camisinha. A camisinha na verdade não previne somente a AIDS mas várias outras doenças sexualmente transmissíveis com a hepatite, por exemplo. Outro passo importante para combater a AIDS é fazer o teste e descobrir a doença o mais cedo possível. Quanto antes a doença começar a ser monitorada, melhor será a resposta ao tratamento e menor a possibilidade de desenvolver doenças oportunistas (aquelas que surgem porque o sistema imunológico não está funcionando bem). O teste no Brasil pode ser feito gratuitamente pelo sistema único de saúde. Ainda que a cara da AIDS tenha mudado nesse 30 anos, não vale a pena bobear.
1. O relatório da OMS sobre AIDS em 2012 –> http://bit.ly/1g8Gidx
2. O estudo da vacina americana–> http://bit.ly/19Y3uVE
3. Mais sobre a vacina brasileira –> http://bit.ly/16Jbtuu